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Entrevista FAIM

O FAIM – Festival de Artes em Imbarie – é um festival que reúne arte contemporânea e apresentações musicais e ocorre desde 2017 no 3° distrito de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

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_ Osmar, de onde surge a ideia de se realizar o FAIM?

A ideia do FAIM surgiu quando eu ainda estava cursando a faculdade de Geografia na UFRJ. Na época eu estava discutindo temas como território e suas potencialidades. Daí pensei em transportar este tema para minha realidade material, que é no bairro de Imbarie em Duque de Caxias, com todos os seus dilemas e potências. Naquele momento pensei, de maneira bem intuitiva mesmo, que a arte poderia ser um catalisador das potencialidades do bairro para algo maior. Outra pretensão que eu tinha era a de disputar poder narrativo sobre o bairro, de maneira a criar novos signos com/sobre o território.

_ Uma das intenções do FAIM é incentivar a produção artística na região, diversos e diversas artistas já passaram pelo festival, você pode citar alguns nomes?

A ideia do FAIM, na verdade, é incentivar a produção e circulação das artes visuais produzidas nas periferias e favelas do Rio de Janeiro. Com isso, artistas como Gabriella Marinho, Mulambo, Robnei, Maxwell Alexandre, Noel, Rafael Agostini, Luana Xavier entre outros já passaram pelo festival.

_ Além dos festivais, o FAIM também tem um blog, conta um pouco sobre ele?

O blog surgiu em 2020 com a ideia de dar voz a pesquisadores, artistas, produtores e afins. A linha editorial é a cultura, arte e periferia. Mas em 2020 só publicamos um artigo pois logo em Março nos envolvemos com distribuição de cestas básicas e outros insumos para famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica do 3° distrito de Duque de Caxias. Entendemos que é importante que a periferia se expresse em diversas linguagens e em diferentes plataformas. A fala sempre nos foi negada. Hoje a tecnologia tem nos permitido criar nossos megafones. Em 2021 retomamos com o blog e estamos felizes com o resultado. A periferia não só escreve como também lê. Estamos com o objetivo de depois de um compilar estes artigos em um livro, mas ainda estamos estudando a viabilidade financeira deste projeto.

_ Osmar, organizar um festival é um trabalho que exige bastante esforço e dedicação coletiva, além de você, quem mais participou, e participa da organização do FAIM?

Até 2020 eramos cinco pessoas na equipe. Eu na produção executiva e co-curadoria. A Luana Xavier que é uma gravadora e tatuadora incrível dividia comigo a curadoria, mas teve que sair em 2021 por conta do ritmo do seu trabalho pessoal. A Bruna Maria que cuida da parte financeira e da coordenação de produção. A Herika Marque que é a responsável pelo educativo. A Larissa Ferreira que cuida da comunicação. Este ano o Joabe (Joazz) se juntou para dividir comigo a curadoria musical.

_ Antes da pandemia, como era o alcance das três primeiras edições do FAIM? Quem mais frequentava, e visita os festivais?

O FAIM de 2017 foi realizado com R$ 50 e só teve 10 visitantes, já incluídos meus pais e meus irmãos rs. Naquele momento vi a necessidade de formar público dentro do bairro. As ações de formação de público deram certo e no ano seguinte tivemos um público que superou os 3 dígitos. Muitos deles sendo da Baixada Fluminense, mas tantos outros da Zona Norte, Zona Sul e Zona Oeste do Rio de Janeiro. No ano passado o FAIM alcançou um público de mais de 96 mil espectadores nas redes em que exibimos os conteúdos. Foi incrível.

_ O FAIM, em 2020, realizou sua quarta edição. Da primeira até a última edição, quais foram as mudanças percebidas por vocês?

A pandemia nos trouxe muitos desafios. Tivemos que fazer Pockets Shows em um estúdio, antes era ao vivo e a exposição teve que ser no formato de lambe-lambe. Estes desafios nos mostraram que amadurecemos em vários processos. Que temos tantos outros para amadurecer e que lugar de arte é na rua para que o trabalhador possa ver , como disse o muralista mexicano Diego Rivera.

_ Além da rua, vocês também ocuparam a frente de algumas casas, conta sobre esse processo?

Em caráter excepcional em 2020 o FAIM Festival ocupou muros das casas de Imbariê com os lambe-lambes, uma vez que não era possível aglomerar pessoas por conta da Covid-19. Mas em nossas experiências anteriores  nós ocupavamos salões e faziamos destes espaços nossas galerias, e ao mesmo tempo a rua era o espaço das apresentações musicais.

_ Além da realização do festival, em 2019, vocês também realizaram a distribuição de cestas básicas, conta um pouco sobre isso?

O FAIM ocorre no bairro de IMBARIÊ que é a sede do 3° distrito de Duque de Caxias. Um distrito de mais de 150 mil habitantes, que possui o maior adensamento populacional da cidade, onde a maioria dos moradores possui atividades laborais informais, e que neste momento de covid-19 se viram diretamente afetados pela insegurança alimentar. Diante do cenário descrito, nós fechamos uma parceria com o movimento União Rio e com Movimenta Caxias o que nos garantiu uma média de 250 cestas básicas, além de milhares de máscaras, álcool em gel, dúzias de ovos e materiais de limpeza, que nós e um grupo de voluntários distribuímos pelo distrito. A experiência foi marcante. Muita miséria. Muito descaso. Nos pegamos chorando algumas vezes, pelo choque com uma realidade tão próxima mas que a pressão do cotidiano, muitas vezes nos impede de ver.

_ Devido a pandemia, a última edição foi realizada virtualmente, como foi essa mudança pra vocês?

Foi incrível! Descobrimos outras possibilidades. Outros parceiros. Certamente, mesmo depois que podermos fazer o FAIM presencial a virtualidade sempre será uma plataforma utilizada.

_ Durante a quarta edição, além da exposição virtual, vocês também realizaram ocupações em Imbariê, com lambes, como foi tudo isso?

O lambe foi uma ideia que tive no começo de Maio do ano passado mas na ocasião achei muita viagem. Daí lendo me deparei com alguns escritos do Diego Rivera sobre sua negação em fazer quadros em detrimento dos murais. Ele queria que sua obra, que a arte, estivesse mais próximo do povo. Então, não tive dúvidas em levar a arte para rua. Os locais escolhidos foram aqueles lugares mais vulneráveis de Imbariê. A recepção da comunidade foi incrível, sobretudo dos adolescentes e dos idosos. A galera do tráfico de droga não dificultou. Inclusive pediram para colar alguns lambes nas paredes das bocas de fumo.

_ Osmar, durante esses anos de realização, qual foram as dificuldades percebidas por vocês?

Existem dificuldades estruturais, como iluminação, espaço físico para a exposição, financiamento e formação de público.

É um desafio fazer uma exposição de arte contemporânea em um território onde as forças que disputam os micropoderes simbólicos ha anos narram que aquele território não tem direito a arte. Colocar-se como uma força que contrapõe este discursa dá trabalho e os resultados não se dão de imediato.

_ Cultivar e incentivar arte na periferia é sempre importante, e vocês vem fazendo isso de forma maravilhosa. Quais são suas expectativas pro FAIM atualmente e no futuro?

Atualmente, tenho como foco trazer temas e curadoria relevantes para a sociedade brasileira como um todo, mas em especial para aqueles que estão às margens. A arte pode e deve exercer este papel não só contemplativo mas de incômodo. Pensar a sociedade através da arte é algo incrível. Para tanto acredito no papel fundamental da curadoria. Reunir artistas de todo o Brasil que esteja na mesma vibe é importante para nós atualmente.

Para o futuro a ideia é para além das exposições, dos Pockets shows, e das oficinas de artes nas escolas públicas, penso em tonar o FAIM em uma espécie de hub onde artistas, curadores e pesquisadores poderão trocar experiências. Acredito no poder da aprendizagem e sei que ela pode ter várias possibilidades que vão para além do ensino formal.

_ A participação do público é algo que pra quem organiza eventos, é um fator que leva a gente a seguir em frente. Com a última edição realizada virtualmente, foi possível alcançar um público ainda maior, pra quem não conhece o festival, o que você acredita ser o maior incentivo, após a pandemia, para visitar o festival?

Tem uma organicidade na arte que é incrível. A maioria das pessoas que frequentam o FAIM são meus amigos e amigas. São pessoas que eu sou fã. São pessoas com as quais, fora do contexto da pandemia, eu bebo nos botequins da Baixada Fluminense, da Lapa, da Zona Sul, na Zona Norte. Acredito que uma boa produção e uma boa curadoria já é meio caminho andado para a galera invadir a exposição.

_ Além do FAIM, existem outros espaços dedicados à arte e cultura em Imbariê? Quais você recomendaria?

Tem sim. Temos o nosso Cineclube Imbarie nos Trilhos por exemplo.


Clarisse Gonçalves 1998. Graduação em história da arte, UERJ. Pesquisadora e historiadora da arte situada no Rio de Janeiro. Atualmente pesquisa manifestações artísticas periféricas, negras, e afrodescendentes no estado do Rio de Janeiro.

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roberto KEPPLER
roberto KEPPLER
2 anos atrás

…gostaria de convidar Clarisse Gonçalves e organizadores da Exposição FAIM para acessar a Jornada Internacional de Poesia Visual, na Casa das Rosas em São Paulo, que vai acontecer de 8 a 11 de novembro…para iniciar um contato para compartilhar experiências e promover futuros eventos….Roberto KeppleR
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robertokeppler.51@gmail.com