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Entrevista Conativo

Conativo (Matheus Souza), de Duque de Caxias, 1996. Graduação em andamento em Artes Visuais na UERJ, desenvolve trabalhos visuais, sonoros e musicais no ambiente de arte contemporânea. Realizou a primeira exposição individual no Espaço Cultural Sylvio Monteiro em Nova Iguaçu e esteve presente em exposições coletivas como Interferências Oi Kabum! Lab no Centro Municipal de Artes Calouste Gulbenkian; e Parte de Nós na Galeria de Passagem do Centro Cultural de Artes da UERJ. Trabalha suas produções sonoras e colaborações através da Unidade de Desenvolvimento Tecnológico (UDT[1]), chamada Laboratório Labsonar, utilizada pelo Estúdio Criações Sonoras (CriaS). O CriaS é um projeto de pesquisa pertencente ao instituto de artes da UERJ.  SoundCloud I Youtube

[1] UDTs são espaços físicos dotados de equipamentos que reúnem pesquisa, extensão e serviços, e objetivam proporcionar o aperfeiçoamento profissional e a formação acadêmica através da utilização de equipamentos. Nelas estão incluídos os laboratórios de alta complexidade, obtidos por meio do programa de qualificação específico desenvolvido e aplicado pela UERJ. As UDTs visam o maior acesso dos alunos à tecnologias que aprimorem seus trabalhos e produções acadêmicas.

_ Conativo, enquanto artista você possui uma significativa parte da sua produção contida dentro da linguagem de ilustração digital. Pra você a ilustração foi o primeiro caminho a ser pensado enquanto artista? Caso não, como foi a sua relação com a ilustração, de onde surge o interesse em trabalhar com arte digital?

Antes de saber falar eu já desenhava, isso é engraçado, porque o ponto de vista sobre ilustração como algo que podia ser conceitual e complexo só chegou quando as pessoas passaram a se conectar com o que eu fazia. Levou um tempo para perceber que isso era um trabalho de arte. A partir disso, experimentei produzir histórias em quadrinhos e durante anos foi a plataforma com que mais gostei de trabalhar, talvez nesse momento foi que naturalmente migrei para a ilustração digital, pela praticidade no processo de criação e também por que a maioria dessa produção era pensada para a internet, então começou a ser interessante pensar digitalmente desde os primeiros rabiscos.

_ A série Mãos, pensada inicialmente por você em 2017, abarca uma série de questões, que se iniciam no contato com o outro e se estendem até a ideia de multidão. Você pode explicar pra gente um pouco mais sobre a poética e a estética que envolve esses trabalhos?

Ela surgiu quando me acidentei e perdi parte da sensibilidade de um dedo da mão esquerda. A recuperação me colocou em um lugar de “e se” que era torturante. Na minha cabeça, se houvesse a possibilidade de fazer alguma coisa diferente, tudo poderia ter sido evitado. Por outro lado, também havia uma sensação de que as coisas poderiam ter sido ainda piores, mas isso não aliviava, era um conflito angustiante. Fiquei imerso psicologicamente nesses dias e passei a me ver a partir de como a minha mão se comportava: os pontos secavam, então era eu que estava me recuperando; a pele tinha uma aparência feia avermelhada então era assim que eu me sentia, porque tudo isso me remetia as decisões que me levaram ao momento daquele acidente e eu só queria que ele nunca tivesse acontecido. As pessoas em geral tem essas sensações o tempo inteiro: culpa, ansiedade, remorso e até platonismo. Se naquele momento eu sentia que era a minha mão cicatrizando, então as outras pessoas também eram. Foi um processo de expurgo mesmo, não queria riscar nada além dessas linhas que formavam mãos e dedos.

Mãos, 2017

_ Durante a escolha da materialidade da sua produção, você comenta sobre a relevância da materialidade virtual e fala também sobre a internet. Como é sua relação enquanto artista com esses espaços? O espaço virtual e o espaço físico concreto?

É comum que alguém da minha idade tenha se familiarizado com funcionamento da internet muito cedo — nascemos ao mesmo tempo que ela — e conforme crescia notei que as infinitas plataformas me ofereciam o contato com ideias que eu não podia ter no meu bairro. Neste lugar/não-lugar, que é uma espécie de triagem ou encontro de várias regiões físicas, me reunir com pessoas que estavam lá e ao mesmo tempo do outro lado do país permitiu uma troca de informações muito grande, então passei a pensar formas de ocupar esse espaço com arte e nos últimos tempos tenho trabalhado mais virtualmente que pessoalmente. Plataformas como Instagram e Facebook permitem uma interação mais simples de que a cara-a-cara, as pessoas estão em suas zonas de conforto — diferente de em galerias e museus, onde normalmente se deparam com normas subentendidas de comportamento — mas o desafio é captar a atenção delas, já que a vida com a internet se torna também mais prática e o momento do olhar fica ainda mais breve. Apesar de tudo, me inspiro demais em movimentos estético-sonoros que surgiram nesse cenário da internet, como Seapunk e Vaporwave na gringa, e podemos pensar o Tombamento no brasil.

_ Como foi a interferência desses movimentos na sua produção e vivência?

Passei a observar como as ideias se comportavam e como atingiam as pessoas, porque estive um pouco obcecado com esses movimentos no início — era tudo muito novo — mas acho que essas propostas se tratam de como usar a criatividade com estratégia para admitir a reprodutibilidade como parte da obra. Arte, moda e música, como funciona um trabalho de arte que só existe se for reproduzido? Me perguntava até onde eles atravessavam também o mundo fora da internet.

1998. Graduação em história da arte, UERJ. Pesquisadora e historiadora da arte situada no Rio de Janeiro. Atualmente pesquisa manifestações artísticas periféricas, negras, e afrodescendentes no estado do Rio de Janeiro.

_ Você comenta sobre a relação que seu corpo, e a trajetória percorrida por ele tem dentro da sua produção, e essa relação é bastante visual quando encaramos seu trabalho. Na série “Mãos” temos as imagens visuais de mãos, sempre em conjunto, e/ou em contato com o corpo, e na peça “Evangelizando bêbados” temos uma imagem, também construída a partir da relação da imagem e corpo, com a imagem sobreposta na pele. Em “Evangelizando bêbados”, você utiliza a contraposição de dois termos bastante díspares, um de cunho religioso, e outro possuindo uma origem mais mundana. De onde surge o interesse em materializar essa poética?

A “Evangelizando bêbados” surgiu muito despretensiosamente enquanto eu observava a praça de Imbariê. Sentei na mesa ao lado dos homens que bebiam e dentre tudo o que acontecia simultaneamente no lugar o que mais me chamou atenção foi a chegada desse que carregava uma bíblia. Tirei algumas fotos bem rápido e a coisa toda levou uns dois minutos no máximo. Preciso dizer que meu bairro é bastante religioso, apesar dos dois ou três bailes funk, por aqui temos igrejas a cada esquina e a maioria delas é evangélica, eu mesmo nasci em família cristã e é claro que isso de uma forma ou de outra percorre todos os meus trabalhos. Existe uma tensão entre dois mundos em mim também. Nesse dia, voltei para casa pensando em como usaria aquelas fotos e a solução plástica surgiu na minha cabeça sem que eu notasse qualquer profundidade: queria que minha pele “colorisse” toda a cena e fiz isso. Apesar de toda agressividade que sinto e a sensação de não pertencer a lugar nenhum às vezes, no fim percebi que era uma forma de me assentar enquanto parte deste lugar, onde eu sou o bairro e ele faz parte de mim também.

Evangelizando bêbados, 2017

_ Sendo um artista que mora na Baixada, mais precisamente em Imbariê, Caxias, é notável a relação do espaço com a sua produção e poética, como você mesmo menciona acima. Também não é por acaso que você dá a sua mixtape o título Imbariê. Você pode comentar um pouco mais sobre sua experiência enquanto corpo que transita constantemente entre esses dois espaços? De que maneira a relação centro-baixada percorre sua produção?

Eu só percebi que morava em Imbariê quando tive que sair, acho que precisava ver de mais longe para perceber que aquilo não era o mundo e que as pessoas viviam de forma diferente em outros lugares. Para muita gente é inconcebível que alguém passe mais de 4 horas em trânsito todos os dias, mas é uma realidade e nunca vi esse processo com estranheza, porque era normal para mim, mas começou a ser impossível não se comparar com as pessoas que moravam muito mais perto e/ou com infraestrutura que nunca presenciei antes. Meu desempenho estava caindo e passei a me perguntar até que ponto era só eu vacilando e até que onde era a minha mente e o corpo não suportando mais essa rotina exaustiva. Não queria essa sensação de estar perdendo tanto tempo todo dia, então escolhi subverter a situação utilizando as 2 horas de ócio para compor essas músicas que incluo na mixtape, além de pensar outros trabalhos também. Foi a forma mais direta que encontrei de tirar proveito disso tudo, mas as vezes paro para pensar nos trabalhos que não tem qualquer relação com essas questões e até mesmo neles consigo enxergar uma ou outra especificidade que eu não conseguiria atribuir se não passasse por onde passo todos os dias. Não tem jeito isso me fez, isso sou eu.

_E como você tem lidado com essa parte da sua produção? Como tem sido pra você lidar com o som?

Tenho estado em um momento de muitos planejamentos, fico pensando de que forma mesclar a arte contemporânea e a música convencional, que se alimenta de quase tudo na cultura pop. Acho que a internet passa muito por essa necessidade — quando se trata de produção artística — em como criar um conteúdo que seja de alguma forma interessante, complexo e ao mesmo tempo fácil de ser consumido pelas pessoas. Estou trabalhando muito com influências que passam por esse lugar do popular, e me vejo procurando uma forma de encaixar trabalhos musicais no espaço expositivo da arte, estudando possibilidades e pensando que se eu começar agora talvez no futuro teremos mais sonoridade nas galerias e museus.

Mixtape Imbariê – Conativo – Soundcloud

Mixtape Imbariê – Conativo – Youtube

_ Acho interessante concluir essa entrevista com uma pergunta aberta, uma vez que você traz a discussão sobre a conexão entre produção musical e o espaço expositivo. Tenho observado uma significativa interação entre arte sonora e espaços expositivos. Não acredito que exista, por enquanto, uma resposta concreta em relação à essa interação, mas observo uma certa frequência de eventos que se apropriam desses moldes, e também uma boa recepção destes, principalmente em espaços experimentais. Como tem sido sua experiência enquanto artista e produtor com relação a isso tudo dentro do circuito?

É claro que produzir som matriculado em um curso de Artes Visuais me deixa em uma situação curiosa, talvez eu ainda não tenha encontrado a melhor maneira de encaixar meus trabalhos sonoros nesses espaços. As experiências que tive expondo foram positivas e o feedback também foi bem interessante, mas ainda me mantém uma sensação de incompletude sobre essas obras, como se o elo não estivesse totalmente estabelecido. E na realidade, também não sei se a conexão precisa ser tão utopicamente polida assim. Vejo hoje alguns lugares crescendo com a vontade de incluir artistas e arte-sonora na pauta, o que me deixa bastante entusiasmado e só espero que cresçam, ao mesmo tempo quero amadurecer minha arte para que com a minha produção eu também me veja por lá.

Palavras do artista:

“Pelas mãos

Elaborei essa série de ilustrações a partir da ideia visual de mãos e dedos como indivíduos/pessoas. Inicialmente pensando o encontro de mãos como representação de atravessamentos interpessoais e contatos físicos, logo após, pensando o dedo como sujeito e o conjunto de dedos como população e até multidão. Eu queria que a estética fosse interessante visualmente e de certa forma simples, com elementos dos quais domino no âmbito da representação, para que a produção em larga ou média escala não tivesse grandes complicações. Tive tempo para construir esse conceito, durante cerca de dois meses na recuperação de um ferimento na mão esquerda, mas apenas uma semana para execução. Esse ferimento e as sensações que se criaram acabaram por ser a inspiração de praticamente toda a minha produção após o acidente, inclusive neste trabalho. A série pode não estar finalizada.”

EXPOSIÇÕES:

“Realeza urbana” na exposição: Interferências Oi Kabum! Lab, de 23 a 27 de janeiro de

2018 – Centro Municipal de Artes Calouste Gulbenkian;

Exposição: Olha Geral 2018, 14 de junho a 20 de julho de 2018 — COART, Centro

Cultural da UERJ;

Exposição: Parte de Nós, 10 a 30 de agosto de 2018 — Galeria da Passagem COART,

Centro Cultural da UERJ.

Design sem nome

Clarisse Gonçalves 1998. Graduação em história da arte, UERJ. Pesquisadora e historiadora da arte situada no Rio de Janeiro. Atualmente pesquisa manifestações artísticas periféricas, negras, e afrodescendentes no estado do Rio de Janeiro.

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