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Entrevista Mayara Marques

6 Colaborativa, Colagem Manual, 2021.

Mayara Marques, 24 anos. Colagista manual, e às vezes digital, de São João de Meriti, baixada fluminense. Conta que a arte sempre fez parte de si, mas nunca se sentiu parte dela. Encontra na colagem espaço onde sempre quis estar e hoje é sua comunicação com o mundo e consigo mesma. Desde 2016 explora a colagem manual para falar sobre pessoas, criar personagens, ilustrar músicas e artistas que admira. 

Insta // Portfólio // Capas – Spotify

_ Mayara, como você inicia o percurso pelo estudo da colagem?

Comecei a colar no final de 2016, logo após terminar o ensino médio. Minha história com a colagem começa no digital, quando tento aprender sozinha a mexer no photoshop e começo a criar imagens com outras imagens. Eu tive um impulso muito natural em catar umas revistas de fotografia que tinha em casa pra recortar e assim nasceu minha primeira colagem manual. Desde então não parei mais. Lembro que ficava muito animada, mas me sentia meio solitária também porque eu não tinha referência nenhuma em colagem. Eu sempre gostei muito de pintura, já era muito fã de alguns artistas nacionais mas não conhecia nenhum colagista. Depois que passei a postar minhas criações no instagram, fui conhecendo outras pessoas que utilizam a técnica e fico muito feliz de ver quantas pessoas fazem da colagem uma forma de se expressar.

Minha maior vontade é ocupar todos os lugares possíveis com a colagem. Já fiz trabalhos para revista, para agências de publicidade, empresas de brinquedo, bandas e escritores independentes. Meu maior foco são as encomendas pessoais. Eu amo poder ilustrar e fazer parte de momentos de afeto.

Badu, Colagem manual, 2021.

_ Você comenta que encontra na colagem esse espaço de pertencimento, um lugar seu. Do início até o presente, o que você mais notou mudar na sua produção?

Acredito que a maior mudança tenha sido minha real conexão com cada colagem produzida. Hoje eu me enxergo muito mais nas minhas produções, tanto nas temáticas abordadas, quanto no resultado final, no design de cada uma. Eu me sinto muito mais confortável em ilustrar reais sentimentos meus, coisa que acredito que sem a colagem eu não conseguiria manifestar. Além disso, me tornar colagista me fez olhar com mais carinho aos processos lentos. Sempre fui muito ansiosa e a colagem costuma ser um processo lento, de muita pesquisa e detalhes, então tive que aprender a lidar comigo mesma e transformar esse momento de criação em um momento meu.

Zeca, colagem manual, 2021.

_ É notável a presença de elementos variados, pertencentes a diferentes contextos. Em suas colagens, durante a realização, você busca escrever alguma narrativa?

Toda colagem que produzo tem uma história. Sempre gostei muito de pinturas e outras manifestações artísticas que me fizessem criar uma história na minha cabeça, e eu sempre quis passar isso com as minhas colagens. Quando eu digo que elas têm uma história, não é uma história fixa, é a possibilidade de quem está vendo, poder imaginar essa construção. Esse também é um dos motivos pelos quais utilizo muitas figuras humanas e elementos simples, que sejam facilmente reconhecidos e que possam despertar essas histórias e lembranças a quem está observando.

Não espere muito de mim, colagem manual, 2021.

_ Dentre essas histórias, qual você destacaria? Dentre suas colagens, alguma delas te traz algum afeto mais especial? 

Atualmente tenho um carinho muito grande pela “Corpo”. Ela foi a primeira colagem que trata da minha relação com com meu próprio corpo. Eu queria muito poder ilustrar a passagem de uma mulher insegura com o próprio corpo para uma mulher livre para ser quem ela quiser ser, vestir o que quiser vestir e se sentir confortável com o próprio corpo. Porém, ela ainda tem uma “pitada” de insegurança, medo e receio dos olhares de fora, de outras pessoas. Era como eu me sentia no momento em que produzi a colagem e também o que vejo muitas mulheres gordas falando, a questão de ter dentro de si a segurança e a insegurança vivendo juntas.

Corpo – colagem manual, 2021.

_ Ao comentar sobre a construção da história, a subjetividade é elemento principal. Ao se relacionar com o externo, quais possibilidades interpretativas de terceiros te vêm à memória?

É muito comum receber mensagens e comentários de seguidores sobre como alguma colagem postada os lembra de algum momento ou pessoa, fico muito feliz quando marcam outras pessoas, como se a colagem fosse uma mensagem a alguém querido, sabe?! Não me vem nenhuma história específica a mente mas é sempre muito importante ouvir essas interpretações de fora, costumam ser bem diferentes do que eu vejo nas minhas criações e percebo que estou indo pelo caminho certo.

Fluída, colagem manual, 2021.

_ Ao realizar suas colagens, de que maneira você trabalha suas possibilidades expressivas?

Eu costumo dizer que meu momento criativo é um estalo. Às vezes estou fazendo algo completamente diferente e preciso parar pra começar a folhear uma revista em busca de imagens e elementos. A forma pela qual funciono é: colar sem pensar muito. No final, eu sempre olho para a colagem pronta e me dá aquele toque de que era exatamente o que eu precisava colocar pra fora. A minha parte favorita de ser colagista é poder ilustrar músicas e artistas que são importantes ou mexem comigo de alguma forma. A música chegou na minha vida muito antes da colagem, e poder juntar as duas é extraordinário.

Daqui te vejo, colagem manual, 2021.

_ Encontrando outros e outras colagistas, que tipos de trocas aconteceram e acontecem? Como você sente essas trocas em seus trabalhos?  

Encontrar outros artistas com foco em colagem foi incrível, não só por ter novas referências dentro da técnica, como fez eu me sentir menos sozinha nesse universo. A colagem é um espaço que pode ser ocupado por qualquer um, então sempre dividimos nas redes nossas produções, compartilhamos informações básicas mas que fazem toda diferença a quem está interessado a começar a fazer ou só a saber o que cada um usa, como por exemplo: materiais, técnicas de colagem, intervenções com bordado, bancos de imagens. Tudo isso enriquece muito meu trabalho, me faz aprender e crescer cada dia mais com o que mais gosto de fazer.

_ A baixada é um local cheio de variedade linguística, temática e estética. Ao existir nesse espaço, como é a ligação entre sua produção e seu entorno?

A baixada é a parte mais importante na minha arte. Foi aqui onde tudo começou, onde me abriram portas para expor minha arte pela primeira vez e diversas outras depois. É aqui na baixada que divido a admiração com outros artistas incríveis que são grandes referências pra mim como por exemplo o BREU(@obreeu) e o Jônatas (@jonatxs.art), que são artistas incríveis. A minha vida é aqui, grande parte das minhas histórias são aqui, é onde me sinto pertencente, então qualquer coisa que eu faça vai ser ligada à baixada fluminense.

Do que sou, colagem manual e bordado, 2021.

_ Mayara, tendo trabalhado com revistas, agências de publicidade, empresas de brinquedo, bandas e escritores independentes, existe alguma alteração na forma com a qual você se enxerga enquanto artista? Ao realizar trabalhos para terceiros, existe a criação em conjunto. Como é lidar com isso?

Gosto muito da possibilidade de ter minha arte em diversos formatos. Quando faço trabalhos para bandas e escritores independentes é sempre muito divertido porque fico bastante livre para criar. Quando o trabalho em questão é voltado à agências ou empresas, eu preciso seguir um briefing e rolam todas aquelas mil alterações de sempre. Acho que se eu tivesse começado a trabalhar de uma forma mais comercial com a minha arte a uns anos atrás, eu teria alguns momentos de reflexão sobre o meu “eu” enquanto artista, mas hoje eu sei que isso não me faz menos artista e não torna minha arte menos arte.

Seu Jorge, Colagem digital, 2021.

_ Pensando seus processos criativos pessoais, e também aqueles voltados a agências ou empresas, algum trabalho é especial a você?

É meio clichê eu falar que todos tem a sua importância mas acredito que essa é a única resposta cabível aqui. Todo trabalho é realmente especial pra mim. Independente de ser uma colagem mais pessoal ou um trabalho que tenha menos a ver com minha identidade. É sempre especial ver minha arte, ver o que eu mais gosto de fazer, estampado em diversos formatos e lugares. Eu nunca imaginei abrir uma revista e me encontrar lá. Ou vestir uma camisa com uma estampa que eu produzi e ver fotos das minhas artes em casas de pessoas que eu nunca imaginei conhecer.

Engoli meu eu, colagem manual, 2021.

_ Uma de suas colagens foi selecionada para participar da The Fat Zine, conta sobre esse trabalho e esse processo?

Ah, isso foi incrível! Vi no Instagram que estavam selecionando artistas para participar da terceira publicação deles. Mandei um e-mail com duas colagens que eu já havia feito, não precisava ser algo produzido exclusivamente para a revista, e em janeiro recebi uma mensagem dizendo que havia sido selecionada. A colagem que vai estar na terceira publicação da revista é a “Corpo”, obra que citei anteriormente e que se encaixava no tema que era “medo”. Estou bastante feliz com isso porque a The Fat Zine é uma revista sobre corpos gordos e feita por pessoas gordas. E eu que tenho a revista como principal material de trabalho, o que mais sinto falta nelas é a presença de pessoas gordas ou midsize.

Tudo que nós tem é nós, Colagem manual, 2022.

_ Mayara, ao expor em diversos espaços, como galerias, feiras e revistas, de que maneira você enxerga cada um desses espaços e como você sente a diversidade de existir em diferentes espaços?

O meu desejo é poder ter minhas artes em diversos lugares. Eu os vejo como a possibilidade de muitas outras pessoas conhecerem e possivelmente se identificarem com o que faço. Se eu falo sobre pessoas, colo sobre elas, eu quero que todos possam se ver nas minhas colagens.


Lista de exposições

2017 – 2018 – Participa de diversos eventos independentes em Duque de Caxias, expondo e vendendo artes em shows de bandas locais.

2019 – Selecionada pelo Redley Garagem, expondo no Galpão Ladeira das Artes.

2022 – Sua colagem “corpo” foi selecionada para estar na The Fat Zine, revista independente inglesa. @thefatzine


Clarisse Gonçalves 1998. Graduação em história da arte, UERJ. Pesquisadora e historiadora da arte situada no Rio de Janeiro. Atualmente pesquisa manifestações artísticas periféricas, negras, e afrodescendentes no estado do Rio de Janeiro.

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